
Está para ser votado no Senado Federal o Projeto de Lei Nº 4.909/2020, de autoria do Senador Flávio Arns (PODEMOS/PR), que altera a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação, para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos. De antemão, o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Faculdade de Educação da Unicamp (LEPED/FE/UNICAMP) manifesta sua posição em defesa do direito de estudantes que utilizam a Língua Brasileira de Sinais – Libras (surdos, surdocegos, com deficiência auditiva e surdos com altas habilidades) terem acesso à educação bilingue em escolas comuns. Isto posto, apresentamos os motivos pelos quais somos veementemente contrários ao Projeto de Lei:
Isto posto, o LEPED conclama os senadores e toda a sociedade civil a atuar pela rejeição do PL 4.909/2020. A educação inclusiva é dever de todos nós e não pode ser retalhada por meio de projetos de lei inconsequentes como este.
Campinas, 25 de maio de 2021.
Maria Teresa Eglér Mantoan
Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped)
Faculdade de Educação – FE – Universidade Estadual de Campinas – Unicamp
Diante da ameaça de desmonte da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008), o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED/FE/UNICAMP) e a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) levaram ao Ministro da Educação Rossieli Soares da Silva uma carta com reinvindicações para a manutenção e fortalecimento da PNEEPEI. Além disso, exigiu transparência no que diz respeito aos documentos elaborados pelo MEC com a finalizada de alterar a Política.
Na reunião, foram apresentados os pontos mais preocupantes apontados no DOCUMENTO TÉCNICO: Em defesa da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Também foi entregue uma cópia da pesquisa A Escola e suas Transform(ações) a partir da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e da página do abaixo-assinado em defesa da Política, que já tem mais de 10 mil assinaturas.
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EM DEFESA DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Brasília, 20 de junho de de 2018.
A Sua Excelência Ministro
Sr. Rossieli Soares da Silva
Ministério da Educação
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, 8º Andar, Gabinete
70.047-900- Brasília/DF
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI (MEC, 2008) constitui um importante marco para a garantia da inclusão de estudantes da Educação Especial nas escolas regulares, assegurando o acesso ao ensino comum e ao atendimento educacional especializado (AEE). Suas bases legais estão firmadas na Constituição Federal de 1988, que trata os alunos titulares da Educação Especial nos dispositivos referentes à Educação em geral (a matéria, no texto constitucional anterior, era tratada no âmbito da assistência social). Esse fato constituiu um avanço significativo para a educação desses alunos e tem sido pouco enfatizado, quando se trata de se definir o lugar em que os mesmos devem ser formados.
Desde sua promulgação, outros marcos legais foram se somando à Constituição de 1988, dentre os quais se destaca a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD (ONU, 2006), que consolidou princípios e diretrizes que alteraram a concepção da deficiência e, por consequente, os serviços destinados a esse grupo social.
O Brasil ratificou essa Convenção com equivalência de Emenda Constitucional, por meio do Decreto Legislativo nº186/2008 e do Decreto da Presidência da República nº 6.949/2009. O Art. 24 da CDPD estabelece o compromisso dos Estados-parte com a garantia do acesso à educação das pessoas com deficiência em um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e com a adoção das medidas de apoio necessárias a sua participação, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
É importante destacar a construção democrática e os principais aspectos relativos à implementação da PNEEPEI, enquanto política pública transformadora:
Ações de tal vulto e complexidade demandam muito, seja em termos de esforços de convencimento, esclarecimento, mudanças de atitudes, acomodações de todo o tipo – burocráticas, políticas – mas, principalmente, transformações nas práticas educativas. O tempo para que se consiga avançar no pretendido por uma escola para todos não é medido apenas em anos, mas em poder e força da experiência de seus praticantes. Esse tempo é subjetivo, mas é preciso subsidiá-lo objetivamente, com financiamento, com apoio direto às escolas e, também, por vontade política. Apesar de todos esses desafios, a realidade dos sistemas de ensino vem se modificando e a sociedade se mobiliza em defesa da educação inclusiva e do direito à não discriminação. Além da evolução do acesso à escola, a matrícula dos estudantes público alvo da educação especial no ensino comum, que em 2003 era de apenas 24% do total, em 2017 passou a representar 84%, conforme dados do Censo Escolar (INEP/MEC).
Pesquisa nacional do MEC
Essa ação foi proposta pelo Ministério da Educação (MEC) e coordenada pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com o Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo (IPDSC), no âmbito da cooperação internacional da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). O resultado foi publicado em dezembro de 2014.
A pesquisa envolveu 48 municípios-polos do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade de todas as regiões brasileiras. Foram entrevistadas as pessoas diretamente envolvidas nas escolas: professores de AEE, professores do ensino básico em todas as suas etapas, gestores dessas escolas, coordenadores de Educação Especial dos municípios estudados, além de pais de alunos com e sem deficiência, matriculados nas escolas onde a pesquisa foi realizada. Foram coletados 3.570 depoimentos em 96 escolas, à luz de uma metodologia qualiquantitativa denominada Discurso do Sujeito Coletivo. As conclusões da pesquisa evidenciam uma alteração do entendimento secular sobre a pessoa com deficiência e sobre o seu lugar no processo educacional. Essa alteração desloca, igualmente, o professor da Educação Especial, que deixa de atuar em um ambiente restritivo (classes e escolas especiais) e passa a enfrentar os desafios inerentes ao seu papel em escolas comuns inclusivas.
Na pesquisa, 81,18% dos entrevistados responderam que indicariam a matrícula na escola comum aos pais de crianças com deficiência. Pode-se inferir que as percepções e posições dos sujeitos sobre a inclusão escolar estão ancoradas na convicção do direito de todos à educação, e nos ganhos que a educação inclusiva traz aos estudantes com e sem deficiência do ponto de vista pedagógico, da socialização e da aprendizagem de valores. Além disso, 89,14% dos entrevistados perceberam ganhos na vida dos profissionais da educação, dos pais e estudantes que vivenciam o processo de inclusão. O levantamento mostrou entraves, desafios, dificuldades, o que é natural na implementação de uma política pública de grande porte como a PNEEPEI. Mas é inegável o avanço em relação à percepção e à certeza de que o lugar da pessoa com deficiência é na escola comum.
Tais evidências são provocadoras e demandam novas investidas no campo político e educacional. Uma delas é o aprofundamento do papel da Educação Especial como modalidade que apoia o processo de inclusão na escola comum, de forma que os professores do AEE não se constituam em um suporte para adequar os alunos às concepções e práticas pedagógicas conservadoras vigentes, mas para questioná-las. A outra, diz respeito às formações inicial e continuada de professores do ensino comum e especial, que precisam ser igualmente fortalecidas e reorientadas segundo os princípios da educação inclusiva, de modo a suplantar de vez os resquícios do modelo segregacionista ainda presente nas práticas educacionais e os discursos que vinculam o AEE à reabilitação e às práticas de ensino diferenciadas, com base na condição de deficiência de alguns alunos.
Nosso objetivo
Neste documento, nosso objetivo é a garantia da continuidade da PNEEPEI, norteando as Secretarias de educação de todo o país no sentido de avançar nas mudanças desejadas para que as nossas escolas se tornem ambientes de ensino de qualidade, justos e democráticos e, em consequência, inclusivos. Há que se reconhecer o trabalho que até hoje a PNEEPEI tem semeado e garantido nos sistemas educacionais brasileiros. Nenhum retrocesso ou desmonte desse trabalho pode ser admitido. A orientação inclusiva trazida pela PNEEPEI à educação brasileira deve ser reconhecida no seu mérito irrefutável de promover um desafio ao conservadorismo de nossa educação, que qualquer governo deveria se orgulhar e se empenhar para, a partir dessa bandeira, buscar novos caminhos para a educação em todos os seus níveis – do ensino básico ao ensino superior. Trata-se de uma política de Estado.
As políticas de educação básica precisam igualmente se basear no acervo de contribuições oferecido pela Educação Especial dos tempos atuais, para que possam questionar o que têm proposto como soluções para a melhoria do ensino brasileiro. Um ensino que não considera a diferença de cada aluno, jamais alcançará o nível de excelência que temos de buscar para a nossa educação. Toda homogeneização, toda solução que desconsidera essa especificidade dos seres humanos está fadada ao fracasso.
São essas as preocupações e os motivos que nos trazem para uma discussão aberta e relevante, que não tenha qualquer outro sentido a não ser a busca de um entendimento sobre um projeto educacional que precisa se manter, para que não marque mais um retrocesso na história de nossa educação.
Sobre a proposta de reforma
Causa-nos preocupação a anunciada reforma dessa Política pela SECADI/MEC, pois a pasta não divulgou um texto base que explicite os fundamentos teóricos da política que defende. Entretanto, na análise dos slides da SECADI que mostram alguns tópicos da proposta que pretende homologar por meio de consulta pública, compreende-se que não se trata de “atualização” da Política e, sim, de uma alteração em relação à concepção de deficiência e à perspectiva inclusiva da educação especial.
A SECADI justificou que fez um diagnóstico que aponta a necessidade de reforma da PNEEPEI e que há uma defasagem dessa Política em relação à legislação. Esses argumentos precisam ser esclarecidos. Primeiramente, a PNEEPEI está em total acordo com a Constituição Federal, com o Decreto nº 6949/2009 e com a Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) e não cabe ao MEC qualquer recuo em relação a sua implementação. A SECADI/MEC também não explicitou qual a base legal que utiliza para propor um retorno ao modelo de modalidade substitutiva ao ensino comum.
Segundo, a gestão da pasta não permitiu o acesso aos resultados das consultorias contratadas para subsidiar sua proposta de modificação da Política, mesmo mediante solicitação via Lei de Acesso à Informação. No mais, a pesquisa nacional acima mencionada A Escola e suas Transform(ações) a partir da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva foi desconsiderada pela gestão da SECADI/MEC.
Acrescentamos, finalmente, um resumo de nossas reivindicações, no sentido de conhecer as razões pelas quais essa Secretaria está propondo a mudança da PNEEPEI, dado que isso não foi possível, por ora, via Lei de Acesso à Informação.
Sobre nossas reinvindicações
Considerando que o governo federal não pode retroceder no cumprimento do direito à educação das pessoas com deficiência; que a PNEEPEI é uma conquista histórica da sociedade brasileira; e que há falta de transparência no processo de “atualização” da PNEEPEI, solicitamos que o Ministério da Educação:
Assinam esse documento:
Maria Teresa Eglér Mantoan
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED)
Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Lenir Santos
Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FEBASD)
Campinas, 27 de novembro de 2.011.
O Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferenças – LEPED/Unicamp se associa a todos os que manifestaram repúdio à revogação do Decreto 6571/08 e, ainda, exigem que o governo federal realize a devida correção no novo decreto, de número 7611/11, para que o mesmo esteja em conformidade aos preceitos constitucionais.
De fato, não podemos aceitar que a Constituição Federal seja ferida e que retrocedamos a tempos em que a Educação Especial era matéria tratada no âmbito da assistência, como constava da Emenda Constitucional No. 1, de 1969, no Capítulo “Do Direito à Ordem Econômica e Social”. Estamos em outro momento, em que a Educação Especial, entendida na perspectiva da educação inclusiva, assegura a todos os alunos que são seu público-alvo (pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação) o direito inalienável à educação, em escolas comuns, compartilhando com seus colegas de turma de um ensino para todos, democrático e coerente com uma formação cidadã.
A quem pode servir esse retorno à segregação de alguns alunos em ambientes educacionais que restringem e limitam suas capacidades de desenvolvimento cognitivo, social, cultural, afetivo, laboral?
A situação é lamentável e injusta para todos os que estão e poderiam continuar se beneficiando dos avanços que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (documento de 2008) orienta para adequar essa modalidade de ensino aos princípios constitucionais, que preceituam o atendimento educacional especializado complementar à formação do aluno, assegurando-lhe o acesso, a permanência e a participação nas turmas das escolas comuns, com autonomia e independência.
Reverter o retrocesso legal representa recusar que sejam desconsideradas todas as conquistas que até então foram conseguidas a duras penas pelos que lutaram e lutam por uma escola brasileira justa e alinhada à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, ratificada pelo Decreto No. 6.949/09, e recusar que sejam descumpridos compromissos assumidos pelo Brasil diante das Nações Unidas e, principalmente, diante de toda a Nação.
Surpreende-nos que um governo preocupado com a elevação do nível de qualidade de vida de todos (e especialmente com melhorias na sua educação) desconheça ou não leve em conta o que representa um meio escolar desafiador para a expansão das possibilidades educacionais de todos os alunos. Basear-se nas diferenças entre as pessoas para justificar a necessidade de se reabrirem escolas e classes especiais para melhor atender a alunos da educação especial envolve a categorização dos alunos, em grupos opostos identificados como os que são valorados positivamente e têm direito à escola comum e os outros, excluídos dela por não corresponderem a um padrão de desempenho arbitrariamente definido.
Que pais, professores, irmãos, familiares, autoridades do ensino, políticos (de verdade), profissionais da área da Saúde, do Direito e de outras áreas afins podem concordar com tamanho despropósito, com esta absurda e conservadora posição de alguns que, na surdina, se insurgiram para desfazer o que vem sendo construído com tanto esforço e dedicação? Nosso mote é a escola da diferença, uma nova página da nossa educação, que precisamos escrever juntos, para que seja inclusiva, como é o seu propósito desafiador.
Precisamos da colaboração de todos para que a educação especial e a educação comum se firmem como plataformas de trabalho de todos e onde as experiências passadas e presentes se encontrem para reforçar os alicerces dessa inovação.
Entristece-nos constatar que as pessoas que compõem um dos segmentos mais privilegiados pela inclusão (o dos que têm deficiência intelectual) sejam traídas por seus próprios “protetores”, que lhes cassaram a oportunidade de ocupar o lugar de saber que lhes é de direito, na escola comum.
Incluir, só no ambiente comum a todos! É imperdoável o que esses “benfeitores” pretendem fazer com essas pessoas, principalmente quando se trata do ensino básico. Alijar alguns alunos para que possam ter um ambiente escolar à parte não é protegê-los, mas abandoná-los a tempos e espaços vazios de sentido e de futuro, como podemos comprovar ao ouvir de pais, professores e familiares dos que frequentam escolas especiais que seus alunos são incapazes de participar do mundo externo a esses ambientes educacionais e de participar da vida familiar, de onde foram, desde cedo, separados às vezes por quase toda uma vida. Nessas escolas não se acredita na mudança, na força da solicitação de um meio escolar e social comum para que se tornem pessoas ativas, segundo suas capacidades.
Estamos em uma época de grandes transformações e há ainda os que insistem em puxar para trás as iniciativas que ampliam horizontes, oferecem novas possibilidades. Todos têm o direito de viver nessa época de expansão do espírito humano e de justiça, respeito à diferença.
Vamos recuperar o que nos foi tomado clandestinamente, mas não da mesma forma, porque não precisamos ocultar nossas ações, iluminadas pela clareza e pelo Direito.
Vamos em frente!
Profa. Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan e membros do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença – LEPED/ Unicamp