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Notas de apoio

Inclusão Radical – SIM!

Por Alexandre Mapurunga

A inclusão escolar das pessoas com deficiência intelectual e autistas tem sido motivo das maiores controvérsias desde que o Governo Federal, através do Ministério da Educação, assumiu a Educação Inclusiva como perspectiva a nortear a Política de Educação Especial. Recentemente, sob a alegação de que o Governo Federal quer acabar com as escolas especiais, a Federação das Apaes de São Paulo iniciou nas redes sociais a campanha: “Não à inclusão radical! Sim às escolas especiais!”.

Duas questões são bastante preocupantes na iniciativa. A primeira refere-se à declaração de que o Governo quer fechar as escolas especiais; a segunda vem do chocante clamor por menos inclusão. O Decreto Presidencial 7.611/2011 foi um dos primeiros a compor o “Plano Viver sem Limite” permitindo, dentre outras coisas, a distribuição dos recursos do Fundeb na educação especial, inclusive para “instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o Poder Executivo competente”. A função do Governo é, portanto , quando necessário, conveniar com Organizações Privadas regulando serviço a ser prestado. Isso já era possível, mas foi oportunamente reafirmado no Decreto para que não restasse dúvida. Então, de onde vem a afirmação de que o Governo quer fechar as “escolas especiais” tendo em vista que os mais recentes documentos são editados permitindo a transferência de recursos?

A verdade é que há uma discussão sobre o papel das chamadas organizações especializadas e a complementariedade do Atendimento Educacional Especializado e também sobre onde deve ser a prioridade de investimento dos recursos públicos. Nesse contexto, é preciso reconhecer que, pela ausência histórica de políticas públicas, as famílias tiveram que arregaçar as mangas para fazer uma tarefa que seria obrigação do Estado. Pioneirismo que foi importante para romper com a invisibilidade e para garantir atenção para as pessoas com deficiência intelectual durante décadas. No entanto, esse movimento não pode se cristalizar favorecendo a acomodação do Estado. Foi e continua sendo obrigação do Estado garantir Educação para pessoas autistas e com deficiência intelectual.

Vem à tona então a segunda questão: “Não à inclusão radical”. A inclusão é um dos princípios fundamentais dos direitos humanos. É também meta político-social de quase todos os governos que são minimamente comprometidos com uma agenda global de desenvolvimento. Inclusão significa mais igualdade de oportunidades, mais desenvolvimento para os que foram historicamente excluídos. É adequar e fazer chegar a pobres, negros, pessoas com deficiência, LGBT e outros grupos em desvantagem social, as políticas públicas que geralmente só atingem uma parte mais privilegiada da população. É romper com práticas estabelecidas e construir um ciclo de aprimoramento das políticas públicas. O imperativo “Não à inclusão radical” estampado em um banner no Facebook, ou mesmo qualquer variante que implique em uma mensagem que pode ser entendida como um pedido por “menos inclusão”, “inclusão só pra uns”, “inclusão seletiva” ou até “inclusão mais lenta!” é chocante por desconhecer a universalidade dos direitos humanos.

As perguntas que ficam são: menos inclusão para quem? Quem desmerece a inclusão? Quão letárgica ou moderada deve ser a inclusão? Constantemente são denunciadas a falta de condições, a falta de capacitação dos professores, a persistente recusa e sistemática exclusão das pessoas com autismo e deficiência intelectual da rede regular de ensino, realidade que mostra que é preciso aprofundar (radicalizar) os processos de inclusão, antes do contrário, cobrando que seja garantido o investimento contínuo e as regulamentações para as transformações que forem necessárias.

Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) que foi aprovada com quórum qualificado em dois turnos no Senado e na Câmara, assim obtendo status de Emenda Constitucional. No seu artigo 24, a CDPD reconhece o direito das pessoas com deficiência à educação, que deve ser efetivado sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, num sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como através do aprendizado ao longo de toda a vida. A mensagem da Convenção que foi cravada em nossa Constituição e assinada por representantes de toda sociedade é clara: mais inclusão.

Qualquer que seja o Governo, a agenda de Estado deve ser ampliar a inclusão das pessoas com deficiência no sistema regular ensino. Isso é também compromisso internacional assumido com a ratificação da Convenção, do qual o Brasil deve prestar contas dos avanços obtidos. Ironicamente, a despeito do Decreto 7.611/2011 e da disposição do Governo Federal em apoiar as organizações filantrópicas, a declaração de que se é contra um princípio fundamental da CDPD – a inclusão – coloca a declarante em choque de interesse com o Estado Brasileiro e com sua obrigação de implementar a Convenção.

De acordo com artigo 4, o Estado e as autoridades públicas que o representam em todas as instâncias devem abster-se de participar e apoiar qualquer ato ou prática incompatível a Convenção, bem como assegurar que as instituições atuem em conformidade. Nada mais justo do que a sustentabilidade das organizações filantrópicas, mas para garantir financiamento público o Governo deve assegurar que os recursos sejam aplicados da maneira mais inclusiva possível.

Alexandre Mapurunga
Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (Abraça)
http://abraca.autismobrasil.org
http://inclusaoediversidade.com
Skype: amapurunga +55(85)9760.3180 (tim)

Discussão

6 comentários sobre “Inclusão Radical – SIM!

  1. Muito bem colocada sua análise, qualquer coisa diferente disso é um retrocesso na educação das pessoas com deficiência intelectual. Precisamos continuar lutando para avançarmos sempre, jamais retroceder. Parabéns pelo manifesto.

    Publicado por Ari Vieira | 09/08/2013, 16:53
  2. É possível entender o apelo da socialização perfeita com a inclusão de todas as minorias, mas fico pensando se a inclusão não significa pressupor a necessidade de uma ausência de preconceitos nesses ambientes e uma total capacidade/conhecimentos de interação com esses indivíduos, aqui especificamente falando dos “deficientes mentais”?
    Parece bastante utópico imaginar que essas pessoas, passando para um convívio imediato (já!, sem freios!, vamos avançar!, sem retrocesso!), não enfrentem CHOQUES de culturas e TRAUMAS emocionais desnecessários uma vez que já existem locais adequados, estimulando-os tanto cognitivamente como socialmente (no contato com outros seres humanos). ?
    Mais utópico ainda é achar que realmente essas pessoas vão ser inseridas em ambientes livres de preconceitos para serem “formadas”, “capacitadas” e, para serem mais uma vez, introjetadas à sociedade.
    Ainda que o seu apelo seja genuíno e coerente, me parece que você está à frente do seu tempo. O primeiro trabalho sociológico ainda não colocou nem o professor no patamar que merece. A mentalidade básica do brasileiro é muito segmentada, e em nossa cultura não há meios de apoio para nos ensinarmos a lidar uns com os outros. Desde a base familiar, estamos sujeitos a comportamentos pouco conscientes, e somos muito habilidosos em fazer de conta, ou seja, no momento da foto estaremos todos sorrindo. Mas ninguém viu o que aconteceu dentro do banheiro da escola. Ninguém viu o que um professor falou pro seu aluno.
    Integração de fachada não serve. Então porque não focar toda essa energia astuciosa para melhorar primeiro a capacidade de todos os profissionais e para estudar maneiras de incutir mais respeito e compaixão nas raízes da nossa sociedade?

    Publicado por Vanessa Guillén | 17/08/2013, 10:36
    • Estamos falando de uma meta, que deverá ser alcançada em 10 anos. Isso, nem de longe, é “de imediato” ou “sem freios”. Não falamos de integração, falamos de inclusão.

      Publicado por Inclusão Já! | 22/08/2013, 17:17
      • Dez anos… certo… assim como a Copa e Olimpíadas, né?

        Mesmo com o rio de dinheiro jorrando dos cofres públicos, em meio à inúmeros interesses financeiros e políticos, o país não consegue se organizar, com algumas dezenas de obras, para estes eventos. Como vamos acreditar que realmente este país consegue mudar todo o necessário (adequação física de escolas, sistema de transporte coletivo, formação de professores, etc.) para realizar minimamente a inclusão?

        Ninguém é contra a inclusão. Sou contra a forma com que está sendo imposta.

        Precisamos criar uma estrutura onde os pais vão olhar e pensar: – É ali que meu filho precisa estar.

        Estou farto de ouvir falar de Genebra e ONU meu amigo, pois ninguém deste povo carrega uma criança no colo, se for necessário. É possível sim pensar globalmente, se estivermos fazendo localmente. Eu disse fazendo, e não falando.

        Sugiro montar uma mínima estrutura de inclusão em duas cidades, em um projeto piloto, e lá então realizar a inclusão. Uma cidade grande e outra pequena, cada qual com suas características e problemas estruturais. Aprenderemos com este projeto e avançamos para outras cidades.

        Também não serve de exemplo uma escola só ou um aluno só. Sugiro nos concentramos em uma cidade grande, com todas as escolas preparadas, e uma cidade pequena, também com toda a infraestrutura necessária. E assim ir avançando, cidade a cidade, aprendendo lições e fazendo melhor na próxima.

        Se começarmos agora, em 10 anos conseguimos fazer o país inteiro. O que acham?

        Mas ninguém quer fazer isso né? Porque tem que por a mão na massa já, agora!

        Daí não dá para ficar enrolando 10 anos e depois dizer: – “Estamos implementando políticas que vão garantir a inclusão”. ou “Nos últimos 10 anos capacitamos mais de 20 dúzias de professores para lidar com a inclusão”.
        A velha mania de dizer o que foi feito e esquecer o que não foi feito, que é o mais importante.

        O que é pedido e apresentado agora me parece com:
        – Se joguem do avião, você e seu filho. Prometemos lhes entregar os pára-quedas em até 10 anos.

        Publicado por Yuri Alexandre Inêz | 21/11/2013, 8:21
    • Vanessa, nossa luta por inclusão não se restringe a um texto astuto… ela se dá na criação de estratégias para operacionalizar, na sensibilização de profissionais e familiares, na incidência por leis inclusivas que resguardem o direitos e pela transformações de ideias e práticas estigmatizantes e segregadoras.
      Mas isso só funciona se a pessoa estiver lá no ambiente escolar. E vai funcionando cade vez mais e cada vez melhor quanto mais assim estiverem…

      Publicado por Alexandre Mapurunga | 18/11/2013, 21:32

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