O coletivo que subscreve o presente documento é composto por PESSOAS E INSTITUIÇÕES DE TODO O PAÍS que lutam por uma escola inclusiva, justa e democrática. Por isso, vem manifestar à sociedade e às autoridades competentes seu repúdio ao seguinte trecho extraído do texto de Introdução da Base Nacional Comum Curricular – BNCC(1), homologado pelo Governo Federal em 20 de dezembro de 2017:
De forma particular, um planejamento com foco na equidade também exige um claro compromisso de reverter a situação de exclusão histórica que marginaliza grupos – como os povos indígenas originários e as populações das comunidades remanescentes de quilombos e demais afrodescendentes – e as pessoas que não puderam estudar ou completar sua escolaridade na idade própria. Igualmente, requer o compromisso com os alunos com deficiência, reconhecendo a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular, conforme estabelecido na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). (BNCC, 2017, página 16, grifo nosso)
O texto acima traz dois graves problemas: o primeiro é de ordem ética, pois, ao afirmar que a “diferenciação curricular” para o ensino de alunos com deficiência seria uma recomendação constante da Lei Brasileira de Inclusão – LBI (Lei Nº 13.146/2015), a BNCC cria uma justificativa improcedente. A LBI não recomenda a diferenciação curricular como forma de garantir a participação de alunos com deficiência nas escolas. Sequer o termo existe no texto da lei.
A “diferenciação curricular” é uma prática pedagógica que diferencia o sujeito em razão da condição de deficiência, o que nos leva ao segundo grave problema desse texto: diferenciar pessoas em razão de sua deficiência é considerado crime de discriminação, segundo a própria LBI, que ratifica a Constituição Federal, as demais leis brasileiras e os marcos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Apenas a título de esclarecimento, e para evitar qualquer tipo de manifestação equivocada ou de má fé, a LBI prevê a chamada “adaptação razoável”(2):
Adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas todos os direitos e liberdades fundamentais. (LBI, 2015).
O termo “adaptação razoável” não se relaciona ao termo “diferenciação curricular” e, portanto, ambos não podem ser confundidos. Na literatura jurídica, o primeiro termo, citado na LBI, é relativo ao Desenho Universal, ou seja, à garantia da acessibilidade em todos os âmbitos. Do ponto de vista pedagógico, a acessibilidade trata de garantir o acesso ao currículo comum a todos, por meio de estratégias, materiais, recursos e serviços que permitam ao estudante com deficiência participar de todas as atividades escolares junto com seus colegas.
Em total oposição a esse conceito de prática pedagógica inclusiva (respaldado teoricamente por inúmeras produções bibliográficas e vivenciado por milhares de educadores que lutam por uma escola para todos), está a ultrapassada e ultrajante “diferenciação curricular”.
Tal prática está na contramão não apenas da evolução de nossos marcos teóricos, políticos e legais, mas também vai contra as conquistas da escola brasileira, que há mais de duas décadas vem buscando compreender que a diferenciação só pode existir se for para garantir o pleno acesso à escola e ao currículo. Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP(3), o sistema educacional inclusivo pressupõe a convivência construtiva e pedagógica na comunidade escolar:
Trazendo para o plano legal o conceito de inclusão, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência trata de afastar qualquer restrição ao acesso a um ambiente marcado pela diversidade. Sistema educacional inclusivo, por óbvio, não é um sistema exclusivo para as pessoas com deficiência, mas uma qualificação do sistema educacional para que possa atender adequadamente a todas as pessoas, com e sem deficiência, de maneira inclusiva, permitindo a convivência construtiva e pedagógica entre todos os alunos. (CNMP, 2016, p. 40)
Jamais a diferenciação, seja ela de natureza curricular ou de qualquer outra natureza, pode ser usada para justificar “estar à margem”, fazer atividades “separadas”, “individualizadas”, “facilitadas”, “infantilizadas”, “limitadoras” e todos os demais termos que encerram o nefasto significado da diferenciação curricular. No mais, o ensino de pessoas com deficiência, do ponto de vista teórico, está respaldado na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008)(4), documento orientador que, em momento algum, refere-se à necessidade de realizar diferenciações curriculares para o ensino inclusivo de pessoas com deficiência.
Por fim, este coletivo também manifesta repúdio à supressão, no texto da BNCC, das contribuições sobre a educação inclusiva feitas pela sociedade civil e educadores de todo o país. Nas duas primeiras versões da BNCC – em 2015(5) e 2016(6), havia um detalhado conteúdo que tratava dos seguintes temas subsidiários ao trabalho das escolas: Atendimento Educacional Especializado – AEE; estudo de caso; plano de AEE; ensino do Sistema Braille; ensino do uso do Soroban; estratégias para autonomia no ambiente escolar; orientação e mobilidade; ensino do uso de recursos de tecnologia assistiva; ensino do uso da Comunicação Alternativa e Aumentativa – CAA; estratégias para o desenvolvimento de processos cognitivos; estratégias para enriquecimento curricular; profissional de apoio; tradutor/intérprete da Língua Brasileira de Sinais/Língua Portuguesa; guia intérprete. Cabe a questão: a quem interessa a supressão de todo esse conteúdo da BNCC? Quem ganha com isso?
Vale destacar que o parecer emitido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença – Leped/UNICAMP (anexado a este manifesto) em contribuição à BNCC, em 2015, afirma que, do ponto de vista teórico, é fundamental considerar a diferença de TODAS as pessoas, e não apenas de algumas, em função de seu desempenho escolar, entre outros:
Por se apoiarem nessas comparações, certas políticas públicas confirmam, em muitos momentos, o projeto igualitarista e universalista da Modernidade, baseado na identidade idealizada e fixa de um aluno padrão.
Os processos que diferenciam as pessoas podem promover a inclusão ou a exclusão destas na escola, na sociedade. A diferenciação para excluir é ainda a mais frequente, ao limitar a participação social e o gozo do direito de decidir e de opinar de determinadas pessoas e populações. Já a diferenciação para incluir está cada vez mais se destacando e promovendo a inclusão total pela quebra de barreiras físicas, atitudinais, comunicacionais, que impedem algumas pessoas em certas situações e circunstâncias de conviverem, cooperarem, estarem com todos, participando, compartilhando com os demais da vida social, escolar, familiar, laboral, como sujeitos de direito e de deveres comuns a todos. (Leped, 2015).
A utilização do referido parecer teria evitado que a versão final da BNCC apresentasse distorções que revelam o desconhecimento dos avanços conquistados pela força dos movimentos da sociedade civil brasileira, bem como de todo o marco teórico que fundamenta o ensino inclusivo.
Conclamamos todas as pessoas que lutam por uma educação inclusiva e de qualidade a compartilharem este manifesto e assinarem seu conteúdo. Não aceitaremos retrocessos que ferem não só o direito das pessoas com deficiência, mas também sua dignidade. A escola brasileira já provou ser capaz de se reinventar, de se transformar em uma espaço justo e inclusivo. O papel do Ministério da Educação é estar na vanguarda, fomentar as mudanças necessárias para o aprimoramento dos sistemas de ensino. Jamais o MEC pode estar à frente de uma guinada retrógrada que busca desenterrar práticas discriminatórias e ultrapassadas.
Assinam, em 21 de março de 2018:
ENTIDADES:
PESSOAS FÍSICAS:
Foi publicada hoje, no Diário Oficial, com a assinatura do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, a Lei 5.554/13, que contraria a Convenção sobre os Diretos das Pessoas com Deficiência, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei 7.853/89 e os princípios do Plano Viver Sem Limites, que tem como um dos programas, no eixo educação, o BPC na Escola, com o objetivo de assegurar o acesso e a permanência dos estudantes público-alvo da educação especial na classe comum da escola regular.
Pais, gestores, professores e pessoas com deficiência não são obrigados a aceitar leis que violam direitos fundamentais. Muito pelo contrário, têm o direito de denunciar e exigir que os direitos humanos sejam respeitados.
A lei do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, direciona estudantes para classes e escolas especiais, muito embora cite a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que é um marco contra a exclusão educacional. O prefeito, certamente, está sem assessoria e, desde logo, o Fórum Nacional de Educação Inclusiva solicita que a Associação Nacional de Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID) manifeste-se com veemência, lembrando que cada um de nós pode e deve fazer o mesmo.
Enviem e-mails para a prefeitura do Rio de Janeiro, por que o prefeito Eduardo Paes (ou qualquer outro prefeito) não tem o direito de excluir seres humanos do sistema de ensino por motivo de deficiência. Educação é na escola comum. Assim é na nossa legislação, assim manda a CDPD no artigo 24 e em todos os demais. Negar ou fazer cessar matrícula por motivo de deficiência é crime (Lei 7.853/89 – Art. 8) e encaminhar para classe especial e não ofertar recursos para a garantia do acesso e a permanência em classe comum pode, sim, ser compreendido como fazer cessar o direito à educação.
Segue abaixo a Lei sancionada pelo prefeito do Rio de Janeiro, de autoria dos vereadores Eliomar Coelho (PSOL), Paulo Messina (PV) e Teresa Bergher (PSDB), para a qual solicitamos da AMPID atenção especial.
Lembramos, ainda, que a cidade recebeu, em 2010, do Ministério da Educação, 494 kits para a implantação de salas de recursos multifuncionais, e que os recursos para a equiparação de direitos e igualdade de condições são direitos fundamentais. Vamos fazer valer! Junt@s Somos Fortes!
Aproveitamos para reproduzir o inciso I do artigo 1º:
“I – instituição da Educação Especial na perspectiva inclusiva, na Educação Infantil e Ensino Fundamental da Educação Básica, preferencialmente em escolas regulares, sem prejuízo, das escolas especiais ou classes especiais continuarem a prover a educação mais adequada aos alunos com deficiência que não possam ser adequadamente atendidos em turmas comuns ou escolas regulares;”
Diante de texto claramente contrário aos preceitos legais do nosso país, ressaltamos que o Rio de Janeiro mantém abertas 10 escolas e quase 1.000 classes especiais. Isso é oferta de educação? Não!
DENUNCIEMOS! Mesmo que a negativa de matrícula seja em escola privada, não deixe de levar a Lei 5.554 para ser anexada à denuncia.
Senhor prefeito: É muito mais fácil segregar do que fazer acontecer a educação para todos e para todas, mas lembre-se de que pessoas com deficiência são seres humanos. Perceba que o texto da lei que o senhor sancionou é absurdamente incoerente porque o inciso VII do artigo 2º dessa lei contraria o inciso I do artigo 1º da própria lei, acima citado. A saber:
“VII – combate permanente a toda forma de discriminação e exclusão dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação;”
Como pode o município combater a exclusão e a discriminação se elabora leis que autorizam a segregação com base na deficiência?
A seguir, o texto de uma lei que JAMAIS deveria ter existido. Ela é inconstitucional.
Diário Oficial nº : 204
Data de publicação: 17/01/2013
Matéria nº : 51484
OFÍCIO GP n.º 10/CMRJ Em 16 de janeiro de 2013.
Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência para comunicar que, nesta data, sancionei o Projeto de Lei n.º 552-A, de 2010,de autoria dos Vereadores Teresa Bergher, Paulo Messina e Eliomar Coelho, que “Estabelece diretrizes para a inclusão educacional de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, e dá outras providências”, cuja segunda via restituo-lhe com o presente.
Aproveito o ensejo para reiterar a Vossa Excelência meus protestos de estima e distinta consideração.
EDUARDO PAES
LEI N.º 5.554 DE 16 DE JANEIRO DE 2013.
Estabelece diretrizes para a inclusão educacional de alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, e dá outras providências.
Autores: Vereadores Teresa Bergher, Paulo Messina e Eliomar Coelho
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art.1º As ações públicas de educação voltadas aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e/ou dificuldades de aprendizagem no âmbito do Município deverão observar as seguintes diretrizes:
I – instituição da Educação Especial na perspectiva inclusiva, na Educação Infantil e Ensino Fundamental da Educação Básica, preferencialmente em escolas regulares, sem prejuízo, das escolas especiais ou classes especiais continuarem a prover a educação mais adequada aos alunos com deficiência que não possam ser adequadamente atendidos em turmas comuns ou escolas regulares;
II – garantir a permanência, a acessibilidade e o desenvolvimento escolar dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e/ou dificuldades de aprendizagem;
III – qualificação continuada e especializada dos professores;
IV – prioridade de oferta de vagas aos alunos com deficiências em unidades escolares próximas à residência do aluno.
Art. 2º Para fins de aperfeiçoamento e sustentabilidade das diretrizes estabelecidas no art.1º, o Poder Público desenvolverá ações que prestigiem os seguintes aspectos:
I – emprego de recursos pedagógicos atualizados e compatíveis com o atendimento adequado de acordo com as diversas deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e/ou dificuldades de aprendizagem de cada aluno;
II – planejamento estratégico para estimular o desenvolvimento e aprendizagem do aluno segundo as necessidades educacionais de cada um, e sua inclusão social e educacional;
III – a capacitação do corpo docente para identificação precoce dos distúrbios, síndromes e/ou transtornos relacionados ao processo de aprendizagem e desenvolvimento de abordagem pedagógica especializada para atendimento dos alunos;
IV – visão multidisciplinar que assegure a interação dos profissionais de educação e das áreas afins no atendimento, acompanhamento e desenvolvimento educacional dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e/ou dificuldades de aprendizagem;
V – avaliações periódicas para detecção das deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e/ou dificuldades de aprendizagem, com o encaminhamento do aluno para atendimentos especializados;
VI – formação de banco de dados específicos e complementares que, dentre outros, registrem os processos de avaliação, diagnósticos, tratamentos adotados, acompanhamento do desempenho pedagógico e desenvolvimento sócio-emocional do aluno;
VII – combate permanente a toda forma de discriminação e exclusão dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação;
VIII – abordagem sobre o papel e a importância da família e da sociedade na formação e desenvolvimento de crianças e adolescentes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação com vistas à adoção de medidas que assegurem a inclusão educacional, cultural, profissional e social;
IX – participação efetiva da família no processo educacional especial e no acompanhamento dos tratamentos especializados e desenvolvimento de habilidades e nas atividades pedagógicas específicas dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
EDUARDO PAES
* Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial
NOTA DA CONFENEN – CONSIDERAÇÕES E REIVINDICAÇÕES
Tendo em vista o texto publicado no boletim da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), em seu boletim (páginas 8, 9 e 10), o Fórum Nacional de Educação Inclusiva, o Portal Inclusão Já e a Rede Inclusiva – Direitos Humanos BR vêm, por meio desta, repudiar tal o teor do referido texto, que orienta para a restrição do acesso e permanência na educação, promovendo diretamente a exclusão educacional de pessoas com deficiência. A nota é um incentivo à pratica do bullying, à violação do direito humano à educação e ao preconceito e à discriminação de pessoas com deficiência.
Aproveitamos esta feita para esclarecer à Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN que Educação é direito humano e, portanto inalienável, direito que não se pode dispor, direito da criança e do adolescente, seja ela ou ele Pessoa com ou sem deficiência.
Esclarecemos também que as escolas privadas não são regidas por legislação diferenciada e que, à parte disso, discriminar é crime. Negar ou fazer cessar matricula por motivo de deficiência é crime, com pena de reclusão de 1 a 4 anos (Lei 7.853/89).
É importante também esclarecer que, a despeito do posicionamento da entidade, muitas escolas privadas trabalham em concordância com a legislação vigente e que estas escolas cumprem com o seu papel social e seguem as diretrizes nacionais para a oferta da educação.
Reafirmamos ainda que estabelecimentos de ensino públicos ou privados devem respeitar e se organizar dentro dos parâmetros da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Defesa do Consumidor, no Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – Viver Sem Limite, da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC/2008) e todas as diretrizes e orientações do Ministério da Educação para a inclusão educacional.
As lutas do movimento social organizado levaram a conquistas em benefício de pessoas com e sem deficiência. O acesso e a permanência na educação se tornaram realidade devido a políticas públicas de educação inclusiva do governo federal na última década, que, implementadas por estados e municípios, possibilitaram a crianças e adolescentes do Brasil a escolarização, garantindo, assim, o direito constitucional à educação. Ainda com um longo caminho a percorrer para garantir escola de todos e de cada um, aprender junto e com – com recursos e verbas públicas carimbadas – é hoje a nossa realidade nas escolas públicas.
Cabe às escolas privadas cumprir com o seu papel e ofertar a educação com base na equiparação de diretos e igualdade de condições e oportunidades.
A possibilidade da oferta do ensino, para a iniciativa privada, foi assegurada pelo legislador no artigo 209 da Constituição Federal, mas desde que respeitados o cumprimento das normas gerais da educação e a autorização e avaliação de qualidade pelo poder publico. Já no artigo 206 da CF/88, a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola e a qualidade do ensino são princípios sob os quais o ensino deve ser ministrado. Não podemos discriminar e manter pessoas na invisibilidade.
A nota da CONFENEN fere todos os princípios fundamentais da Carta Magna e hierarquiza seres humanos.
Tendo em vista que a universalização do acesso e a permanência na educação em estabelecimentos públicos e privados são assegurados pela Constituição Federal, cujo objetivo maior é a promoção do bem comum, a CONFENEN tenta relativizar o sujeito de direitos, como se a pessoa com deficiência não fosse Pessoa por completo. O fomento ao conhecimento e a educação torna-se, então, um incentivo à discriminação e a praticas sociais abusivas e ilegais.
Segregar seres humanos e torná-los invisíveis frente à sociedade é o contrário de educar. É vergonhoso. Pretender hierarquizar seres humanos esquecendo que a escola é espaço de aprendizado junto e com e de exercício da cidadania é algo que a sociedade deve repudiar, além de pedir que providências sejam tomadas. Educação não é preparação para a vida, é a própria vida. Lugar de criança com ou sem deficiência é na escola, seja ela pública ou privada. É uma questão de direito.
A nota de incentivo à discriminação, ao preconceito e à violação dos direitos humanos nos pegou de surpresa, pois não é de se esperar orientação para o preconceito de entidade da Educação Privada, pois educação, além de direito inalienável, é um direito central e imprescindível para o exercício dos demais direitos. No que diz respeito à educação, o público e o privado seguem as mesmas regras.
Na escola privada, de livre escolha da família, estuda quem paga a mensalidade, estuda quem paga as cobranças comuns a todos os estudantes, por que é fundamental esclarecer que nenhuma família tem a obrigação de custear mediadores, pagar taxas extras e pagar pela oferta do atendimento educacional da especializado. Tudo isso é obrigação dos estabelecimentos de ensino. No âmbito público e no privado, Inclusão, Acessibilidade e Desenho Universal são atribuições da educação, em todos os níveis, fases e etapas do ensino.
Por fim, reivindicamos que a CONFENEN retrate-se e oriente as escolas privadas em conformidade com a legislação vigente. Pedimos que o Conselho Nacional de Educação se manifeste sobre a referida nota, bem como o Ministério da Educação e a Secretaria de Direitos Humanos. Reivindicamos que o Ministério Público oriente a entidade em relação aos direitos das pessoas com deficiência e tome as providencias que considerar cabíveis.
Todos os anos inúmeras famílias matriculam os seus filhos com deficiência em escolas privadas, muitas são bem atendidas, mas tantas outras ainda não. Esperamos que a CONFENEN oriente os estabelecimentos privados de ensino para a oferta da educação em conformidade com os ditames, em futuras notas que priorizem o respeito à legislação vigente, pois é o mínimo que se espera de quem se propõe a oferecer educação.
O Brasil mudou, já vencemos o medo e a chama da esperança está viva. O paradigma é o do direito; vamos respeitar as conquistas da sociedade brasileira e garantir que crianças e adolescentes com deficiência sejam os protagonistas de suas próprias vidas.
Educação é Direito e é Vida.
Colocamos-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos. Como dizia Paulo Freire: “Não há saber mais. Não há saber menos. Há saberes diferentes”.
Claudia Grabois
Coordenadora jurídica e de políticas públicas do Portal Inclusão Já
Coordenadora do Fórum Nacional de Educação Inclusiva e da Rede Inclusiva – Direitos Humanos BR
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Você sabia…
… que escolas particulares não podem negar matrícula ou cobrar taxas extra em razão da deficiência? Leia mais sobre esse assunto:
Por Fabíola dos Santos Cerqueira*
Na semana passada acompanhamos a luta da companheira Lucia Mara Martins para conseguir junto à Farmácia Cidadã do município de Serra/ES a medicação para seu filho com deficiência, Samuel, de apenas 16 anos. O adolescente ficou sem a medicação por um mês e teve que contar com o apoio de amigos na doação de uma caixa do remédio que custa em torno de R$ 300,00, já que estava há muitos dias sem dormir, comprometendo sua vida diária e a de toda família. O caso de Samuel não é o único apesar do que é preconizado no artigo 4º, da Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente):
Artigo 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
A diferença é que a sua mãe tem conhecimento dos seus direitos e foi em busca deles.
Semanas antes desse problema com a medicação, Lúcia já vinha denunciando as péssimas condições (físicas e pedagógicas) que as escolas estaduais dispõem para receber estudantes com deficiência. Apesar da Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo (SEDU) afirmar que não há problemas, sabemos que não é bem assim. Escolas sem rampa ou elevador, sem banheiros adaptados, sem materiais pedagógicos e espaços físicos adequados, ausência de profissionais qualificados para o atendimento especializado, profissionais (professores, pedagogos, coordenadores) que não dispõem de formação para melhor atender os alunos com deficiência que passam a ser responsabilidade exclusiva dos professores especializados, dentre outros problemas como atendimento adequado às famílias de estudantes com deficiência e a própria exclusão que essas crianças sofrem, já que não há na maioria das escolas a discussão em torno da inclusão que vai além do acesso à escola ou a uma sala de aula regular. O estudante com deficiência precisa ganhar visibilidade na escola não pela mudança na rotina que provoca a sua presença (e quer as escolas ter suas rotinas engessadas alteradas?), mas por ser um sujeito com os mesmos direitos que os demais. E ser respeitado por isso.
O que mais choca, em ambas as situações (saúde e educação) é que houve um silenciamento por parte da mídia e dos políticos em torno do assunto, apesar de termos nos mobilizado (os amigos de Lúcia), a fim de denunciar, quer nas redes sociais, quer nos canais de comunicação sobre a negativa da Farmácia Cidadã de Serra/ES em conceder a medicação ao adolescente. Mais uma vez naturalizou-se uma situação de exclusão.
Diante do exposto fica a questão: ao serviço de quem estão os meios de comunicação e os políticos do nosso Estado? Qual a nossa responsabilidade enquanto cidadãos diante de casos como o de Samuel? Por que nos calamos? Por que não nos posicionamos enquanto servidores da saúde ou da educação diante desses casos? Por que compramos a ideia de que não conseguiremos modificar a realidade social deste país, quando na verdade, a única chance de mudança está na força do coletivo?
O que acha leitor, de dialogarmos sobre estas questões? Está aberto então o diálogo.
*Fabíola dos Santos Cerqueira é Mestre em Educação (PPGE/UFES)
Ainda no clima da comemoração do Dia Internacional da Síndrome de Down, divulgamos a participação da professora Maria Teresa Eglér Mantoan, coordenadora pedagógica do Portal Inclusão Já!, pedagoga, mestre e doutora em educação da Universidade Estadual de Campinas, no Jornal Globo News Edição das 10h.
Em sua participação, ela provoca a sociedade a questionar a escola especial, a segregação e a ideia equivocada de que a escola, a universidade ou o mercado de trabalho teriam que se “praparar” para receber pessoas com deficiência. Além disso, Mantoan questiona o uso de expressões muito comuns em relação à presença dessas pessoas nos ambientes sociais: “acolhimento e tolerância”. A professora destaca que não acolhemos, toleramos ou aceitamos pessoas com deficiência. Não é disso que a inclusão trata. Incluir é, antes de tudo, reconhecer as diferenças (todas elas, e de todos os seres humanos) como algo que faz parte do mundo, da sociedade. E que, portanto, pessoas com deficiência devem ser tratadas como cidadãos que possuem capacidades e limitações, como todas as outras pessoas, e que, por isso, não são dignas de concessões ou pena, aceitação ou tolerância, mas de respeito e de direitos.
Clique na imagem abaixo abaixo para assistir ao vídeo:
O livro “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil” foi editado em 2010 e é uma importante fonte de consulta sobre a trajetória das pessoas com deficiência na luta pela conquista e garantia de seus direitos fundamentais. O conteúdo do livro está acessível no link:
Acesse o Livro “História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência”
Assista também ao documentário que conta essa história por meio de depoimentos.
DETALHES
Reprodução autorizada, desde que citada a fonte de referência.
Distribuição gratuita.
Impresso no Brasil.
Copyright @2010 by Secretaria de Direitos Humanos.
Tiragem : 2.000 exemplares – acompanhados de cd-rom com o conteúdo em OpenDOC, PDF, TXT e MecDaisy – 1ª Edição – 2010
Tiragem: 50 exemplares em Braille
Este livro faz parte do Projeto OEI/BRA 08/001 – Fortalecimento da Organização do Movimento Social das Pessoas com Deficiência no Brasil e Divulgação de suas Conquistas.
Referência bibliográfica :
Lanna Júnior, Mário Cléber Martins (Comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. – Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010. 443p. : il. 28X24 cm.
Direito à acessibilidade:
Por favor, avise às pessoas cegas, com baixa visão, analfabetas ou por alguma razão impedidas de ler um livro impresso em tinta que esta obra está publicada em distintos formatos, conforme o Decreto nº 5.296/2004 e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), ratificada no Brasil com equivalência de emenda constitucional pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009:
– OpenDOC, TXT e PDF (no link acima), para que seja acessada por qualquer ledor de tela (sintetizadores de voz). O site da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) está de acordo com os padrões de acessibilidade.
– CD em formatos OpenDOC, TXT, PDF e MECDAYSE encartado ao final deste livro (o software MECDaisy está disponível no site http://www.intervox.nce.ufrj.br/mecdaisy para download).
– Em Braille, quando solicitada pelo email corde@sedh.gov.br ou pelo telefone (61) 2025-3684.